por Eunice Mendes
Nos contos de fadas, um dos
principais componentes é o animismo, que corresponde à atribuição de
capacidades humanas para animais, seres fantásticos e até objetos. Adaptando
esse conceito para o âmbito das empresas, poderíamos defender a existência do
organizacionismo. Refiro-me àquelas características humanas marcantes, nem
sempre positivas, que embora em um primeiro momento possam ser associadas a
este ou aquele colaborador individualmente, afetam o ambiente corporativo como
um todo, incluindo a comunicação que pulsa em cada um dos seus espaços e,
consequentemente, a sua imagem perante o mercado.
As empresas se tornam humanas
porque são formadas por nós: seres humanos. Dotados de consciência, capacidade
de comunicação e... cheios de defeitinhos. Certamente, todos cometemos erros,
afinal ninguém é perfeito, mas nos esforçamos para esconder essa condição; quando
estamos sozinhos podemos até relaxar a guarda, mas muitos não conseguem ser
condescendentes nem consigo mesmos. Sim, somos falíveis, contudo, em geral, não
queremos admitir isso, então adotamos uma máscara, e saímos com ela por aí, vestidos
de poderosos e bem resolvidos.
Mas assim como não há crime
perfeito, mesmo contra a nossa vontade, vamos deixando pistas daquilo que realmente
somos aqui e ali. As pessoas à nossa volta não decifram o enigma, mas percebem
a falha no sistema, e como também é comum a todo ser humano, nos julgam por
determinada característica que deixamos escapar. É assim que somos tachados por
um estereótipo e nos assustamos quando nos vemos reduzidos a tão ignóbil
sentença: Onde já se viu fulano dizer que eu chato? ou Quem é sicrano para
ficar espalhando por aí que eu sou autoritário?.
Pondo a mão na consciência,
como dizia minha avó, excluindo o veneno gratuito destilado, será que esse
monstro pintado a nosso respeito não está, de fato, escondido dentro do nosso
armário? Será que, de vez em quando não tão de vez em quando assim ele não
escapa do seu esconderijo e sai por aí assustando todo mundo?
Como não podemos nos enxergar
nos inúmeros papeis que representamos ao longo da vida, muitas vezes agimos
como cegos e surdos sociais. Quem nos dá as
pistas sobre quem somos e o modo como atuamos são as outras pessoas.
O que tento fazer a seguir é justamente
listar alguns exemplos de comportamentos assumidos na interação com o outro marcados
pelo autoengano e pelo despreparo para a convivência diária ou frequente no
contexto profissional:
O
atirador de facas. É aquela pessoa que está
sempre mal-humorada, é agressiva e parece incapaz de baixar o tom de voz. Nas
reuniões, só sabe apontar as falhas, jamais as conquistas da equipe. Nunca está
disposto a entrar em sintonia com aquilo que os outros precisam
ou desejam, e não consegue facilitar o aprendizado de quem quer que seja por se
negar a falar a língua do outro. Vive de peito estufado, com a
respiração curta, o queixo erguido. Tem gestos bruscos e exibe uma eterna
expressão de impaciência.
Como
mudar: o primeiro passo é fazer uma autoanálise e deixar
emergir aquele lado mais humano e sensível, por meio do qual somos capazes de
nos colocar no lugar da outra pessoa. A ansiedade faz com que esqueçamos que
existem várias maneiras de dizer a mesma coisa; já quem para e pensa consegue
fazer as escolhas mais adequadas para cada situação.
O espalha-rodinha. É aquele colega que, se você
pergunta Como vai?, ele relata em minúcias, muito bem explicadinho, tudo o
que fez desde a hora que acordou até o momento de dormir. Esse tipo de pessoa
não dialoga, faz relatórios. Divaga, mostra duzentas fotos do passeio que fez
no último feriado, conta as aventuras do cachorro, do gato, a briga com o
vizinho... Por tudo isso, basta chegar para todo mundo sair de perto. Nas
reuniões, toma a palavra e não passa para ninguém. Nunca faz perguntas, apenas
discursos. Demonstra ter pouca habilidade social e nenhuma capacidade para
ouvir.
Como
mudar: saber ouvir é muito importante,
não por caso existe um ditado chinês segundo o qual os ouvidos e a boca devem
ser usados na proporção que ocupam em nós, ou seja, dois para um. Nas reuniões
de trabalho, jamais se deve perder o foco, desperdiçar o tempo, por isso é
crucial aprender a perguntar e a ouvir as respostas com atenção; só assim conseguimos
estabelecer uma conexão verdadeira e alinhar raciocínios. Caso contrário, corremos
o risco de sermos improdutivos e nos tornarmos míopes sociais.
O maria-vai-com-as-outras. Sua comunicação não tem identidade, ou melhor, tem qualquer
uma, mas nenhuma delas é capaz de fixar a sua marca. Em outras palavras, não
tem voz própria. Sua opinião é sempre a da maioria. Normalmente, também é visto
pelos outros como um funcionário puxa-saco. A linguagem corporal desse tipo de comunicador costuma ser a
do eterno bonzinho: sorriso duvidoso colado na boca, postura subserviente,
ombros caídos e uma aparência de quem não tem energia.
Como
mudar: é preciso ter coragem de dizer
o que pensa, mesmo sob o risco de que as opiniões emitidas não sejam aceitas
por alguns ou que as pessoas não apreciem. Isso significa ser coerente com os
próprios sentimentos e atitudes. Para ser respeitado é preciso ter voz e uma
estrutura interna firme.
O conselheiro de plantão. Está sempre disposto a
atender os colegas que chegam com alguma dificuldade; o problema é que nem
sempre sua ajuda foi solicitada. Mesmo assim, faz questão de dar o seu palpite,
sentenciar uma solução, um caminho a ser tomado, pois, no seu entender, é a pessoa
que mais lê, a mais experiente e, consequentemente, a mais sábia. Pior ainda,
se os outros não aceitam suas sugestões, sente-se ofendido como se uma ordem sua
tivesse sido descumprida.
Como
mudar: ao perceber que esse tipo de
comportamento é recorrente em nossa inter-relação com as outras pessoas, devemos
nos esforçar para sermos mais empáticos, abertos para ouvir e, sobretudo,
evitar fazer diagnósticos precipitados. Muitas vezes o outro só necessita falar
e não está buscando interpretações ou sugestões.
O rádio-peão. Vulgo
fofoqueiro de plantão. Sabe tudo o que acontece na empresa e usa isso como
forma de poder. Normalmente, trabalha pouco, porque se perde nas conversas do
café, contando quem saiu com quem, quem brigou com quem, quem corre risco de
demissão. Ao contrário do que se imagina, não age de forma espalhafatosa; fala
baixo, tem um humor ácido e dá risadinhas irritantes. Não é um funcionário
confiável, pois pode manipular as informações e jogar uns contra os outros,
inventando mentiras e provocando a discórdia entre os colegas.
Como mudar: uma boa terapia pode funcionar, pois enquanto olhamos para a vida dos
outros, deixamos de cuidar de nós mesmos, dos nossos planos, das nossas
habilidades. Esse tipo de atitude semeia raiva e sofrimento.
Como essas, existem outras características
que podem ser identificadas em todos nós e, vez ou outra, manifestam-se em
determinadas circunstâncias, especialmente aquelas em que existe a necessidade
de interagir. Piadinhas à parte, é preciso encarar
seriamente a necessidade de refinar o autoconhecimento e
desenvolver uma comunicação mais eficaz
para evitar consequências desastrosas no dia a dia organizacional.
Por isso, peço que reflita sobre a pergunta que dá título a
este artigo: Você tem competência comunicativa?
Se respondeu não ou, por um breve segundo, hesitou em dar
o próprio veredicto, bem-vindo ao clube: somos todos humanos. Falíveis. Cheios
de defeitinhos. Mas isso não é desculpa para acomodar-se. O trabalho é longo
e exige a disposição de uma formiguinha, porém o
resultado compensa, permitindo o estabelecimento de um clima saudável no
ambiente de trabalho e a formação de equipes mais produtivas.
Algumas rotas para
essa mudança foram propostas aqui neste artigo de forma bem-humorada e ao mesmo
tempo muito séria, como convém a todo trabalho que se pretenda não estressante,
mas certamente existem outras que vamos apresentar em novas oportunidades.
Lembre-se: respiramos
comunicação o tempo todo, mas respirar não é tão simples assim. Para que o ar
entre e saia de forma mais eficiente dos nossos pulmões, precisamos parar e
pensar no movimento que estamos realizando, não é verdade? O mesmo vale para
quem se comunica. Temos de treinar duro e sempre para aprimorar a nossa performance pessoal e profissional, que,
no fim das contas, é o nosso principal cartão de visitas.
Somos do tamanho e da
qualidade da comunicação que conseguimos estabelecer nos meios em que atuamos.
Eunice Mendes é atriz, pedagoga e especialista em Comunicação Empresarial há mais de 30 anos com 03 livros publicados.
site www.eunicemendes.com.br.
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